Alguns meses
atrás fui surpreendido com uma experiência de vida inédita. Meu filho, de sete
anos de idade, estava sofrendo bullying na escola. A primeira reação foi de
espanto em saber que este tipo de coisa está começando cada vez mais cedo. A
maldade nasce em corações ainda pequenos. A segunda reação foi de raiva, de
vontade de vingar o meu filho. O desejo que começava a nascer era o do revide.
Algo como: “Filho, feche a mão, mire o nariz do cara e lhe dê um soco com toda
a sua força”. Embora minha atitude, depois de alguns dias de reflexão, não
tenho sido esta, entendi com mais exatidão o sentimento que brota de injustiças
que te afetam diretamente.
Cá entre nós,
de injustiças nós brasileiros entendemos muito bem. Os levantes que agora
surgem nada mais são que o resultado dos nós nas gargantas e dos embrulhos nos
estômagos que todo brasileiro sente (uns mais que outros) todas as vezes que
somos expostos aos mandos e desmandos governamentais, das falcatruas, da
corrupção que rola solta, de políticos cada vez mais corruptos e caras de pau e
– principalmente – quando temos que pagar nossos mais variados impostos e
principalmente conviver com mais e mais aumentos e de preços e péssimos
serviços básicos.
Tenho
acompanhado a ação de estudantes e manifestantes que estão tentando fazer o
movimento “Catraca Livre” o marco inicial de uma possível revolução em nosso
país assolado por uma ditadura da ignorância e da subserviência. Contudo, me
parece nítido a falta de organização e planejamento e uma sede de vingança e
revide como mola motivacional do movimento.
Há algum
tempo atrás tive acesso ao trabalho de Gene Sharp através do livro “Da Ditadura
a Democracia – Uma Estrutura Conceitual para a Libertação”. Gene Sharp é
fundador do Instituto Albert Einstein, uma organização não governamental que se
dedica ao estudo e a divulgação de ações não violentas de combate a regimes
totalitários. Seus pensamentos e ensinamentos têm sido utilizados em quase todo
o mundo por movimentos revolucionários democráticos, incluindo todos aqueles
ligados a primavera árabe.
Usado quase
como uma bíblia ou manual de conduta o livro de Sharp traz 198 métodos de ação
não violenta, indo de discursos públicos a orações e de declarações públicas a
simulacros de funerais.
Gene Sharp
estudou com cuidado e detalhes todas as principais pessoas e ações mundiais e
históricas onde a não violência organizada conseguiu de forma brilhante os
objetivos que perseguiam na destruição das ditaduras. Entre elas Mandela,
Luther King, Gandhi, etc. “Uma das minhas
grandes preocupações por muitos anos, foi como as pessoas podem evitar e
destruir ditaduras. Isso foi alimentado, em parte devido à crença que os seres
humanos não devem ser dominados e destruídos por tais regimes. Essa crença foi
reforçada por leituras sobre a importância da liberdade humana, sobre a
natureza das ditaduras (desde Aristóteles até analistas do totalitarismo), e as
histórias de ditaduras (especialmente os sistemas nazista e estalinista).”
O que mais
me chamou a atenção no trabalho de Sharp foi a demonstração de coragem (acima
do normal) que pessoas assumiram para lutar contra as tiranias. De fora temos a
impressão que é necessária muita coragem para enfrentar policiais e soldados,
atirando pedras, resistindo a gases e cachorros, pontapés e sprays de pimenta,
mas Sharp mostra que coragem maior vem daqueles dispostos a vencer pela não
violência.
Segundo
Sharp, a violência não é a melhor alternativa por vários motivos, mas o maior
deles é que o seu inimigo sabe melhor que você como utilizá-la: “Independentemente do mérito da opção de
violência, no entanto, uma coisa é certa. Ao depositar a confiança nos meios
violentos, escolhe-se exatamente o tipo de luta em que os opressores, quase
sempre têm a superioridade. Os ditadores estão equipados para aplicar violência
esmagadora. Não importa quão longa ou brevemente esses democratas possam
continuar, eventualmente, as duras realidades militares tornam-se inevitáveis.
Os ditadores têm quase sempre superioridade em equipamento militar, munições,
transportes, e tamanho das forças militares. Apesar da bravura, os democratas não
são (quase sempre) páreo para eles.”
Também sinto
nojo, embrulho no estômago e uma sede de vingança com tudo o que vivemos em
nosso país assolado pela injustiça e pela corrupção. Também tenho vontade de
socar a cara de corruptos que engordam com aquilo que nos pertence, mas optar
pela violência é como abandonar nossos valores e nos rendermos ao lado negro da
força. Não é fácil se manter íntegro quando tudo a sua volta demonstra o
contrário. Luther King e Gandhi também tiveram desertores em suas causas, aqueles
que preferiram o combate, a luta armada, o revide ao invés de optar pelos atos
não violentos, contudo, o que a história nos mostra é que só aqueles que se
mantiveram íntegros e corajosos é que alcançaram a vitória. Dos soldados
armados, mesmo que com objetivos justos, não ouvimos falar, eles foram
derrotados.
Então, qual
a melhor saída? Sem dúvidas petições on line e ativismos virtuais por si só não
conseguirão resultados efetivos. É necessário sim sair as ruas, empunhar
bandeiras e mudar estilos de vida. Organização e planejamento para ações
nacionais e coordenadas. Pensadores, artistas e religiosos unidos em propósitos
específicos e acima de tudo os métodos corretos do lado da verdade e da
honestidade.
Depois que a
sede de vingança passa o conselho se transforma: “Filho, você precisa ser mais
corajoso que eles. Resista, mas não revide. O final vai mostrar quem ganhou. Se
você nunca desistir, você nunca vai perder”.
Precisamos
nos mobilizar. É urgente a ação e disso não temos dúvidas, mas o sucesso
depende da forma, do contrário nos transformamos naquilo que mais odiamos e terminamos
por lutar contra nós mesmos.