segunda-feira, 17 de junho de 2013

Com ou sem violência


Alguns meses atrás fui surpreendido com uma experiência de vida inédita. Meu filho, de sete anos de idade, estava sofrendo bullying na escola. A primeira reação foi de espanto em saber que este tipo de coisa está começando cada vez mais cedo. A maldade nasce em corações ainda pequenos. A segunda reação foi de raiva, de vontade de vingar o meu filho. O desejo que começava a nascer era o do revide. Algo como: “Filho, feche a mão, mire o nariz do cara e lhe dê um soco com toda a sua força”. Embora minha atitude, depois de alguns dias de reflexão, não tenho sido esta, entendi com mais exatidão o sentimento que brota de injustiças que te afetam diretamente.
 
Cá entre nós, de injustiças nós brasileiros entendemos muito bem. Os levantes que agora surgem nada mais são que o resultado dos nós nas gargantas e dos embrulhos nos estômagos que todo brasileiro sente (uns mais que outros) todas as vezes que somos expostos aos mandos e desmandos governamentais, das falcatruas, da corrupção que rola solta, de políticos cada vez mais corruptos e caras de pau e – principalmente – quando temos que pagar nossos mais variados impostos e principalmente conviver com mais e mais aumentos e de preços e péssimos serviços básicos.
 
Tenho acompanhado a ação de estudantes e manifestantes que estão tentando fazer o movimento “Catraca Livre” o marco inicial de uma possível revolução em nosso país assolado por uma ditadura da ignorância e da subserviência. Contudo, me parece nítido a falta de organização e planejamento e uma sede de vingança e revide como mola motivacional do movimento.
 
Há algum tempo atrás tive acesso ao trabalho de Gene Sharp através do livro “Da Ditadura a Democracia – Uma Estrutura Conceitual para a Libertação”. Gene Sharp é fundador do Instituto Albert Einstein, uma organização não governamental que se dedica ao estudo e a divulgação de ações não violentas de combate a regimes totalitários. Seus pensamentos e ensinamentos têm sido utilizados em quase todo o mundo por movimentos revolucionários democráticos, incluindo todos aqueles ligados a primavera árabe.
 
Usado quase como uma bíblia ou manual de conduta o livro de Sharp traz 198 métodos de ação não violenta, indo de discursos públicos a orações e de declarações públicas a simulacros de funerais.
 
Gene Sharp estudou com cuidado e detalhes todas as principais pessoas e ações mundiais e históricas onde a não violência organizada conseguiu de forma brilhante os objetivos que perseguiam na destruição das ditaduras. Entre elas Mandela, Luther King, Gandhi, etc. “Uma das minhas grandes preocupações por muitos anos, foi como as pessoas podem evitar e destruir ditaduras. Isso foi alimentado, em parte devido à crença que os seres humanos não devem ser dominados e destruídos por tais regimes. Essa crença foi reforçada por leituras sobre a importância da liberdade humana, sobre a natureza das ditaduras (desde Aristóteles até analistas do totalitarismo), e as histórias de ditaduras (especialmente os sistemas nazista e estalinista).”
 
O que mais me chamou a atenção no trabalho de Sharp foi a demonstração de coragem (acima do normal) que pessoas assumiram para lutar contra as tiranias. De fora temos a impressão que é necessária muita coragem para enfrentar policiais e soldados, atirando pedras, resistindo a gases e cachorros, pontapés e sprays de pimenta, mas Sharp mostra que coragem maior vem daqueles dispostos a vencer pela não violência.
 
Segundo Sharp, a violência não é a melhor alternativa por vários motivos, mas o maior deles é que o seu inimigo sabe melhor que você como utilizá-la: “Independentemente do mérito da opção de violência, no entanto, uma coisa é certa. Ao depositar a confiança nos meios violentos, escolhe-se exatamente o tipo de luta em que os opressores, quase sempre têm a superioridade. Os ditadores estão equipados para aplicar violência esmagadora. Não importa quão longa ou brevemente esses democratas possam continuar, eventualmente, as duras realidades militares tornam-se inevitáveis. Os ditadores têm quase sempre superioridade em equipamento militar, munições, transportes, e tamanho das forças militares. Apesar da bravura, os democratas não são (quase sempre) páreo para eles.”
 
Também sinto nojo, embrulho no estômago e uma sede de vingança com tudo o que vivemos em nosso país assolado pela injustiça e pela corrupção. Também tenho vontade de socar a cara de corruptos que engordam com aquilo que nos pertence, mas optar pela violência é como abandonar nossos valores e nos rendermos ao lado negro da força. Não é fácil se manter íntegro quando tudo a sua volta demonstra o contrário. Luther King e Gandhi também tiveram desertores em suas causas, aqueles que preferiram o combate, a luta armada, o revide ao invés de optar pelos atos não violentos, contudo, o que a história nos mostra é que só aqueles que se mantiveram íntegros e corajosos é que alcançaram a vitória. Dos soldados armados, mesmo que com objetivos justos, não ouvimos falar, eles foram derrotados.
 
Então, qual a melhor saída? Sem dúvidas petições on line e ativismos virtuais por si só não conseguirão resultados efetivos. É necessário sim sair as ruas, empunhar bandeiras e mudar estilos de vida. Organização e planejamento para ações nacionais e coordenadas. Pensadores, artistas e religiosos unidos em propósitos específicos e acima de tudo os métodos corretos do lado da verdade e da honestidade.
 
Depois que a sede de vingança passa o conselho se transforma: “Filho, você precisa ser mais corajoso que eles. Resista, mas não revide. O final vai mostrar quem ganhou. Se você nunca desistir, você nunca vai perder”.
 
Precisamos nos mobilizar. É urgente a ação e disso não temos dúvidas, mas o sucesso depende da forma, do contrário nos transformamos naquilo que mais odiamos e terminamos por lutar  contra nós mesmos.

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