quarta-feira, 9 de maio de 2012

Grama do vizinho - Dois Testamentos

Conta a história que, antes de iniciar a Segunda Guerra Mundial, havia numa certa cidade da Europa um rico negociante que tinha dois filhos e uma filha. A esposa morrera e ele já estava velho e cansado.

Por essa razão e para facilitar a partilha dos bens, resolveu fazer o testamento. No documento que teria valor após a morte do negociante, lia-se o seguinte:

Ao meu filho mais velho, que ama a natureza, deixo-lhe a fazenda que possui todas as condições para ele viver. Ao meu filho mais jovem, cuja inclinação para o comércio é conhecida por todos, deixo-lhe a grande casa comercial na qual ganhei toda a minha fortuna. À minha filha, a qual ama as artes e tudo quanto é belo, deixo o meu palácio e todos os objetos de arte que consegui colecionar.”

Foi esse o primeiro testamento do negociante, testamento reconhecidamente justo.

Aconteceu, porém, que alguns meses depois iniciou-se a guerra na Europa. Essa cidade foi uma das mais sacrificadas do conflito mundial. Ao terminar a guerra o negociante que fizera o testamento perdeu tudo quanto possuía.

Contudo havia alguma coisa que a guerra não destruíra. Fez então novo testamento, desta vez muito diferente. Sendo homem de fé, depois de orar a Deus, ele mesmo e não o tabelião escreveu o novo testamento, no qual se lia o seguinte:

“Ao meu filho mais velho deixo a infalível fé em Deus, o qual cuida dos humildes. Ao meu filho mais novo deixo a fraternidade e o amor que reparte com os necessitados. À minha filha deixo a verdade e a bondade que apontam para as belezas da eternidade.”

Agora, pergunto a você: Qual foi o melhor desses dois testamentos?

Encontrei tal preciosidade em minhas relíquias literárias, coisa pra 1.973 afora, mas nem por isso deixa de ser uma reflexão atual.


Esli Siqueira é psicanalista clínico e escreve para o portal adcolombo.com.br

segunda-feira, 7 de maio de 2012

A parábola do vírus e do sistema

O reino dos céus é semelhante ao engenheiro de software que cria um sistema; mas, cochilando enquanto seu servidor está conectado a rede, veio um hacker, venceu seu firewall e inseriu um vírus em seu sistema.

E, no lançamento e utilização do sistema, viu ele que entre milhares de linhas de códigos apareceu também o vírus.

E os programadores, indo ter com ele, disseram-lhe: Chefe, não programaste tu, no teu laboratório, apenas códigos do sistema? Por que tem, então, vírus?

E ele lhes disse: Um hacker é quem fez isso. E os programadores lhe disseram: Queres pois que vamos retirá-lo?

Ele, porém, lhes disse: Não; para que, ao retirar o vírus, não coloqueis em risco o funcionamento de todo o sistema.

Deixai que ambos rodem juntos até a próxima versão; e, direi aos programadores: aproveitem apenas os códigos bons para a próxima versão; o vírus permanecerá esquecido na versão passada.



Robin diria: “Santa contextualização Batman!”.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

A tentação de olhar para trás

O processo começa com uma sensação de perda. Uma impressão de que o quê ficou para trás era muito mais valioso do que aquilo que está a sua frente. Uma sensação de que talvez, no último cruzamento o caminho a ser tomado era o outro. Ou então que você não devia ter saído do asfalto e se aventurado por esta estrada de chão.

O medo também tem seu lugar neste processo. A sensação é de que se você não olhar para trás alguma coisa vai te apanhar de surpresa. Te apanhar desprevenido. Nada mais justo do que se proteger. Conhecer o seu perseguidor, dar ritmo a mudança. Será que o meu passo está adequado? Será que não preciso me apressar um pouco mais? Ilusão. Pura ilusão. Tudo parece trabalhar de forma orquestrada para que você olhe para trás.
Os sinais deixam de fazer sentido. Mesmo com sua cidade em vias de ser destruída, ainda que os avisos e sinais apontem para o final breve, apesar de tudo e de todos. Só uma olhadinha. Não vai fazer mal. Você já viveu lá por tanto tempo. Uma olhada apenas para se despedir. Depois você promete que não olha mais.
Então, como se por espasmo, você começa a olhar para os lados. Parece que seu pescoço precisa dar uma giradinha, quase uma espreguiçada, um relax diria eu. Efeitos físicos da tentação. Uma espiada de canto de olho. Você não se contenta. Não dá para enxergar direito assim. É preciso parar, girar o corpo e fixamente olhar para o que ficou lá.
Pronto. Você olha. Era só isso que você precisava. Não doeu nada. Agora você pode se virar novamente e seguir em frente.
Mas aquela visão te hipnotiza. Aquela vista familiar e saudosista te prende a atenção. Você fixa o olhar e aos poucos não consegue mais se mexer. Subitamente um gosto salgado te enche a boca e o calor da salvação dá lugar ao frio costumeiro da sua antiga casa, sua antiga cidade.
Olhar para trás não é mais uma opção, é um castigo. Seus olhos permanecerão eternamente abertos para ver o que você deveria ter deixado para trás.

Gênesis 19:26