sábado, 31 de dezembro de 2011

Melhor assim - Parte 2

- “Você vai gostar Isaura. Acredite em mim!”. Disse Lourdes, sua vizinha.
A muito tempo Isaura vivia em conflitos interiores. O casamento com Pedro não foi bem o conto de fadas que ela imaginava desde menina. O nascimento de Guilherme. Aquela pressão enorme de Pedro para que ela abortasse. A sua resistência e luta para que isto não acontecesse. Todo aquele tempo se preocupando em cuidar da casa e fazer com que o seu casamento melhorasse estava cobrando o seu preço.
Anos acumulando dores, sofrimentos, culpas e angústias produziram um fardo emocional e espiritual tão pesado que suas costas começaram a se curvar fisicamente. Aquela menina sonhadora e cheia de vida não existia mais e em seu lugar surgia uma mulher amargurada e sem esperanças. Cada dia era uma batalha travada por um exército de uma mulher só.
Lourdes era sua única amiga. Ela vivia de uma maneira totalmente diferente de Isaura. Embora muito mais velha, com filhos criados e casados, ela ainda mantinha um ar jovial e alegre. Raramente ficava em casa e sua vida era recheada de compromissos e propósitos. Um deles era mudar a vida de Isaura. Ela sabia como e nada ia a impedir de fazer com que aquela linda moça reencontrasse a esperança e a razão de viver.
Lourdes sabia como e aonde Isaura devia abandonar aquele fardo.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Melhor assim - Parte 1

Outra vez, tudo igual. De nada adiantaram as promessas, as juras de amor e de perdão. Lá estava Isaura, mais uma vez a sua mercê, debaixo de calúnias, palavras ríspidas, socos e pontapés. Pedro não se controlava, o ciúme doentio o tomava de uma forma avassaladora. Os pensamentos tomavam a sua mente e era impossível para ele acreditar não haver algum motivo a mais para Isaura dedicar tanto tempo naquele lugar, com aquelas pessoas. Além disso, ela tinha mudado, seu semblante era outro, suas palavras eram outras, ela até estava se arrumando melhor, suas atitudes em relação a ele também mudaram. E embora o tratamento dela com ele tivesse melhorado, para Pedro o incômodo, a dúvida e o ciúme aumentavam na mesma proporção. “Ela só pode estar fazendo isto porque me deve alguma coisa”, pensava consigo mesmo. O resultado de tantos pensamentos maus vinha à tona em forma de espancamento.

Mas desta vez Isaura não reagiu, sofreu calada todos os xingamentos, todos os palavrões, todo aquele calvário. Os tapas e socos com o sangue quente do momento não produziam dor física tão grande quanto a humilhação que ela sentia. Mesmo com Pedro em seu encalço ela correu para a porta do quarto e a fechou. Não queria que Guilherme acordasse e presenciasse aquela cena. Caso isto acontecesse a vergonha seria ainda maior. “Deus, não deixe que nosso filho veja isto.” era a oração que ela fazia em espírito.

Por mais que Pedro tentasse se controlar era como se alguém dissesse em seu ouvido: “Ela merece. Talvez apanhando ela aprenda”. Observando a inércia de Isaura, que sofria tudo calada – muito diferente das outras vezes em que ela também tentava agredi-lo – Pedro resolveu usar mais força. Agarrou-a pelo pescoço e a sufocou deitada na cama. Isaura então começou a se debater, agora temendo por sua vida. Em sua mente orava e tentava entender porque tamanha violência, afinal de contas, apesar das agressões anteriores naquele dia ele parecida mais irado do que nunca.

A ira de Pedro era tanta que a possibilidade de mata-la ali, naquele instante, passou por sua mente. Foi quando ele observou que o semblante de Isaura começou a mudar. Era como se ela olhasse para alguma coisa muito além do teto daquele quarto. Ela parou de se contorcer, parecia que o pânico e o medo tinham sido repentinamente tirados dela. Pedro se assustou com aquilo tudo. Afrouxou sua mão pensando que ela havia morrido mas logo percebeu que ela respirava calmamente.

Isaura permaneceu imóvel com os olhos fitos em algo que ele não conseguia enxergar. De repente, como num passe de mágica, num piscar de olhos, Isaura simplesmente desapareceu bem debaixo dele. Pedro deu um pulo para trás tremendo de medo e espanto. Com a respiração e o coração descontrolados começou a suar frio. Sua vista começou a se perder e ele pensou que ia desmaiar. Se apoiou no guarda roupas a ponto de quase colocar a porta já capenga abaixo.

Rapidamente tentou reordenar seus pensamentos e emoções no meio daquela confusão toda e imediatamente começou a procura-la pelo quarto. Olhou embaixo da cama, no vão entre o guarda roupas e a parede e no pequeno banheiro do lado esquerdo do quarto. Olhou atordoado para a porta e viu que ela estava fechada. “Como pode isso? Cadê você Isaura? Eu vou te achar sua vagabunda!”, disse aos berros.

O relógio em cima do criado mudo marcava 0:00.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Quem tem ouvidos ouça

“Ouça a sua vida.” O conselho é de Frederick Buechner, escritor e teólogo. Em 2011 essa foi a minha tarefa diária, meu compromisso comigo mesmo e com Deus. Passei um ano afinando os ouvidos do espírito e da alma, tentando descobrir a minha partitura numa música escrita a quatro mãos. Descobri que aprender a contar os anos de modo a alcançar um coração sábio não é lá tarefa fácil, mas é muito prazerosa.

Somos extremamente letrados em ouvir e perceber o mundo, a sociedade, as idas e vindas econômicas e políticas e o movimento das marés, porém, na maioria das vezes somos como surdos quando se trata de nos ouvir, ouvir a nossa vida.

Ouvir sua vida pode lhe mostrar o quão inteligente e ignorante você é e talvez por isso poucos se ocupem deste tipo de audição. Sabedoria e inteligência não são sinônimos e só ouvidos afinados com o passar dos anos podem sutilmente ir percebendo as nuances desta diferença.

Ouvi este ano de uma maneira nunca ouvida antes. Ouvi minha casa, ouvi minha família, ouvi meus amigos, ouvi minha igreja, ouvi meus irmãos, ouvi Deus. Conheci muita gente e ouvi sons afinados e desafinados vindo delas. Viajei geograficamente e espiritualmente com trilhas sonoras diversas que despertaram em mim os mais variados sentimentos e emoções.

Ouvi o som produzido pelos cristãos e pelos fariseus, pelos ricos e pelos pobres, pelos influentes e pelos influenciados, pelos jovens e pelos velhos, pelos adoradores e pelos religiosos, pelos loucos e pelos sãos, pelos amigos e pelos inimigos. Ouvi barulhos, rumores, suspiros, aclamações, reclamações. Ouvi gratidão, ingratidão, reconhecimento e fofocas. Ouvi.

E como foi bom ouvir isso tudo. Como é bom!

Te convido a ouvir! Te garanto que no meio de tantas vozes uma certamente vai sobressair. Quando seus ouvidos estiverem verdadeiramente aguçados você vai ouvir uma voz diferente. Uma voz mansa e suave no meio de toda essa bagunça sonora.

Quem tem ouvidos ouça!

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Paradoxo de Natal

O evangelho e seus paradoxos: Jesus não deixou nenhum preceito de memória ou celebração do seu nascimento, muito pelo contrário, os preceitos foram relativos a sua morte. Toda a graça e centro da mensagem cristã está na cruz e não na manjedoura.

A célebre frase “fazei isto em memória de mim” não foi dita numa festa de aniversário.