quarta-feira, 23 de junho de 2010

Uma moeda para Caronte

O valor atribuído aos serviços prestados não é uma coisa nem um pouco nova, não é de hoje que o tempo a disposição e a serviço dos outros tem sua etiqueta e em alguns casos sua tabela de preços.

Na mitologia grega até mesmo depois da morte essa regra valia. Segundo consta, um bom e velho enterro só estaria completo se o corpo fosse baixado ao túmulo com uma moeda debaixo da língua (ou duas nos olhos). O ritual dizia respeito a Caronte, o barqueiro responsável por fazer a travessia das almas através do Rio Estige, que separava o mundo dos vivos do dos mortos. A moeda serviria para o pagamento da travessia e aqueles que não tivessem fundos nessa hora tão crítica ficariam 100 anos vagando pelo limbo. Além disso, essas pobres almas penadas – ou almas penadas pobres – se encarregariam de assombrar e assustar os vivos nas infinitas horas vagas desses 100 anos... aqui entre nós, deveriam assombrar mesmo os “camaradas” que não tiveram a mínima consideração de emprestar a última mísera moedinha aos amigos mortos.

O certo é que o conceito de fazer alguma coisa de graça nunca teve um apelo forte na história da humanidade e pelo que dizem de Caronte não adiantava implorar para pendurar a dívida ou então parcelar a travessia no cartão de crédito.

Talvez daí, desde muito tempo atrás, podemos entender o forte apelo pela compra. Impossível ganhar alguma coisa de graça, afinal de contas tudo tem um preço. E não apenas preço, mas um valor que gere lucro, só assim o processo fecha e todo mundo fica feliz. Seja do outro lado do rio, seja ficando rico de tanto transportar almas.

Alguns procuram acertar as contas por aqui mesmo imaginando ser essa a moeda certa para o “depois”, algo do tipo poupança programada ou aposentadoria garantida. Outros acreditam que estão pagando hoje a falta de recursos da vida passada ou então colhendo os lucros de pagamentos anteriores. Tudo num ciclo de serviços e pagamentos. Partidas dobradas de débito e crédito.

O problema, como sempre, fica para os pobres que não tem moedas para o “depois” e na cabeça de muitos, ainda pagam hoje as dívidas de ontém num destino de desgraça em cima de desgraça. Eles (os pobres) são sempre relegados a periferia (ou a um único lado do rio) sem direito a maiores travessias. A falta da moeda os persegue em vida e morte.

Seguindo o coletivo vigente, desde sempre, seria então normal chamar de louco alguém que apareça oferecendo algo tão nobre de graça. Como é possível que redenção e salvação sejam oferecidas de graça? Como pode alguém disponibilizar coisas tão caras aos pobres. Coisas antes reservadas apenas aos detentores da moeda.

Um “louco” que pode acabar com o negócio tão lucrativo dos Carontes da mitologia grega e da sociedade atual.

Um “louco” que substituiu as minhas míseras moedas reservadas para o fim por gotas de sangue que servem como passaporte e bilhete universal para a vida, morte e eternidade.

Os Carontes que achem outra ocupação. No que depender de mim seu negócio já faliu.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Aos cansados - final

Vou tentar resolver o dilema na contramão do senso comum. Seguindo o mesmo princípio que diz: quando você quer encontrar alguma coisa simplesmente pare de procurar.

Assim como maratonistas acham um segundo fôlego após os 30km creio que também posso usar dessa estratégia. Vou perseguir a linha de chegada antes que o meu joelho engripe de vez e que as minhas costas não me permitam olhar para frente sem estar sentado. Vou viajar nem que seja de carona. Vou trabalhar até que os resultados sejam entregues e que os novos desafios surjam. Vou ver o piá crescer e seguir o seu exemplo que fica bravo na hora de dormir e extremamente feliz quando “já tá de dia mãe? Posso levantar?”.

Concluí que meus sapatos ainda não estão suficientemente desgastados para reclamar do cansaço. Na minha maratona só cheguei aos 36 e espero que o fim dela seja muito além dos 42. Só espero não corrê-la sozinho.

A partir de hoje paro de procurar o descanso, afinal de contas alguém já o encontrou para mim. Alguém que trabalhou muito mais que eu. Alguém que aos 33km concluiu o maior e principal trabalho de todas as nossas vidas juntas e que nunca reclamou do cansaço e da responsabilidade que estava sobre os seus ombros.

Assim a solução do dilema soa simples. Fé.

Sono e cochilos para o cansaço passado e fé (fôlego) para eliminar o cansaço futuro.

Vou continuar correndo...