quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Asas pra que te quero

Não fomos feitos para a imobilidade. Ir além faz parte de nosso DNA e a busca pelo novo, pelo desconhecido povoa nossa mente desde a mais tenra idade. Contudo, o nosso problema não reside em ir além, mas sim em COMO ir além. Nossos meios de locomoção interior são as raízes das encruzilhadas humanas.
 
Qual é a melhor forma de progredirmos? Andar. A primeira resposta que nos vem a mente. Somos peregrinos e a caminhada – seja ela física, emocional ou espiritual – só acontece com um passo após o outro. Do aplauso aos nossos primeiros passos vem a nossa vocação para a caminhada, nossa ligação com o chão, nossa resposta direta a gravidade. Seria ela a resposta que nossa alma tanto busca? Não, diriam outros, voar é a resposta para ir além. Vencer o nosso desprovimento natural de asas é o que nos faz quebrar as barreiras que nos prendem a este mundo.
 
A quem diga que as perdemos durante a queda humana. A prova seriam os anjos, seres espirituais, como o homem na essência da criação. A quem as busque no plano carnal e físico, e para isto basta a inteligência racional humana para colocar toneladas em vôo de cruzeiro acima de nossas cabeças. Ícaro e Dédalo voaram com penas e cera para fugir de um labirinto mitológico. Poetas e artistas as colocam como sustentação da imaginação e vão muito além do que os racionais algum dia imaginaram estar.
 
Para mim o certo é que andar é a nossa vocação, mas voar é o nosso destino. Todos nós desejamos asas, que atire a primeira pedra quem nunca se viu voando em sonhos. Nosso medo de altura é apenas físico, pois espiritualmente o nosso real desejo é voar, ele foi plantado em nós pelo criador.
 
Em terra e aprisionados fisicamente a quem as busque de antemão para tentar saborear o que os pássaros experimentam todo dia. As buscam e as enxergam como libertadoras e graciosas em distribuir emoções não comumente experimentadas pelos mortais. Porém, mal entendem eles que as verdadeiras asas a serem buscadas são as espirituais. Voar no plano terreno é esporte de risco, voar no plano espiritual produz vida abundante sem perigos ou contra indicações.

Qualquer um disposto a voar deveria se perguntar antes de tudo: asas, pra que te quero?
Se a resposta for por que este é o meu destino, então voe, voe muito, voe alto e tenha a convicção que o chão duro não é o final do seu vôo, mas sim a passagem para o alto céu. Lá onde as asas não são feitas de velas e cordas, mas de amor.

Asas, pra que te quero? Para um dia poder voar também.
Em memória de Josias Senkiw dos Santos.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Fora do Sistema - Música

A alma do blog captada por música.

A morte lhe cai bem


O título é de um filme da década de 90, “Death Becomes Her” que assumiu “A morte lhe cai bem” no lançamento no Brasil. Mas o que me interessa não é o filme, mas sim a frase e o efeito nela contido. Será possível a morte cair bem para alguém?

Tenho a nítida impressão que a maioria das respostas à pergunta acima foi sim. Para algumas pessoas, definitivamente, a morte cai bem. Não tenho como adivinhar em quem você pensou para responder a pergunta afirmativamente, mas posso tentar alguns “chutes”: Adolf Hitler, o maníaco do parque, os assassinos que arrastam meninos presos ao carro que acabaram de roubar, os pedófilos, os assassinos de policiais, políticos corruptos que desviam verbas de merenda escolar ou ambulâncias, e por aí vai.

Não se trata apenas de suposições, mas de um espírito de justiça e de vingança que nasce no coração das pessoas ditas de bem. É como se a morte se traduzisse no mais justo pagamento pela maldade e crueldade de alguns indivíduos. A quem defenda veementemente a pena de morte, a pena capital e certa pelos abusos cometidos. Olho por olho, dente por dente.

Pensando assim você pode até encontrar sentido na frase “A morte lhe cai bem”. Dá até para imaginar o justiceiro olhando nos olhos do réu e a dizendo com o aroma do prato que se come frio.

Contudo, a morte não foi criada para nenhum ser humano. Por mais vil e cruel que seja o homem a morte não era parte do plano para sua vida. Para nenhum de nós. Não fomos criados para ela e, com certeza, tenha a plena convicção que a morte não cai bem para nenhuma alma debaixo do céu.

Embora não planejada na essência dos seres humanos, a morte na maioria das vezes é escolhida. Isso mesmo, alguns escolhem a morte, assim como outros tantos, escolhem matar. Parecem os dois lados de uma mesma moeda de pecado e iniquidade. Abdicar da vida ou tirá-la de alguém é uma escolha do ser humano.

Vivemos manchados e carregamos conosco o resultado de nossas escolhas. Somos todos árbitros detentores de livre-arbítrio e no exercício de nossas liberdades podemos escolher rumos, tomar decisões e maquinar no caminho da morte. Morte espiritual, morte da alma, morte do corpo.

Se a morte é como um vírus que não pertence ao sistema original. Se ela não cai bem aos seres humanos. Fico, na minha pequenez, tentando alcançar o pensamento do criador. Para Ele a morte de qualquer homem tem sabor de perda, de distanciamento. Nenhuma obra de Suas mãos veio a existir para que fosse consumida. Por outro lado, era necessário sermos criados com poder de escolha, só assim o amor seria completo, do contrário seríamos obra inacabada, objetos inanimados sem a verdadeira vida. Afinal de contas, vida também é uma decisão, sempre foi.

Neste caminho o criador novamente nos chama ao sentido original da vida. Lá onde a morte não tem vez e onde as escolhas são influenciadas por um Santo Espírito. Nós, surdos em virtude de nossas decisões erradas há séculos, não escutamos mais o chamado da vida. Era preciso um megafone, uma tela grande e clara para nos mostrar que a morte nunca nos cairá bem.

Então Deus se esvazia e morre para mostrar que só há uma morte que nos cai bem. A Dele.

Toda a justiça e toda a vingança condensada num único ponto da história.

“Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Onde está, ó inferno, a tua vitória?” 1 Co 15:55

terça-feira, 25 de setembro de 2012

A institucionalização do Eu

 
Sempre fui um crítico da institucionalização das “coisas”. Tudo começa bem, tudo começa puro e com fins louváveis. Então se institucionaliza a ideia, a visão e o fim. Pronto, a partir de agora o que importa não é mais a ideia, a visão, o fim. O objetivo agora é lutar para que a instituição continue firme, nem que para isto seja necessário abandonar a visão e o fim para o qual ela (a instituição) nasceu.
 
Tudo bem, embora crítico não sou contrário, pois o contrário da institucionalização seria a anarquia; e sinceramente não me considero um anarquista. Como tudo na vida, creio que a temperança é o melhor caminho. O que me atordoa é que parece não existir esta opção quando falamos de institucionalização.

Grandes objetivos e projetos são abandonados no caminho institucional e pessoas são corrompidas de seus ideais. É como uma lavagem cerebral. Com o passar do tempo elas acreditam que o fim em si mesmo é manter a instituição viva, mesmo que ela seja só um amontoado de regras e normas que busca um suposto bem coletivo. O problema é que este coletivo acaba não existindo verdadeiramente, é uma falácia.

Tenho um ideal. Crio uma instituição para levar o ideal adiante. A instituição perde o foco e ela própria se torna o ideal. No fim das contas ainda acredito que estou lutando por um ideal, quando na verdade a minha luta é pela instituição.

Conversa de louco não?... Se quiser pare aqui e vai tomar ar fresco. Até eu já estou perdido.

Mas, e hoje? Onde além das empresas, ONG’s, igrejas, associações e etc. as pessoas também estão se institucionalizando. Como assim? Abra o seu perfil em qualquer rede social. O que você vê? Bem vindo a sua página oficial! A completa institucionalização do “Eu”. Um amontoado de regras e normas para definir “o que” você é.

Faça um teste. O que difere o Fulano do Beltrano? A qualidade das fotos? O destino das viagens? Uns vão para o exterior e outros fazem uma farofada na praia mais próxima. O colégio onde estudaram? A empresa onde trabalham? Em resumo: um amontoado de informações que define que você é um indivíduo da classe A, B ou C, sua condição perante a sociedade, seu estado civil, seus hobbies e por aí vai. Claro que tudo isso contado de uma maneira mais brilhante cheia dos pixels da modernidade.

As perguntas são: será que já nos perdemos nos ideais? Será que já estamos trabalhando para a manutenção da instituição chamada “Eu”. Quais são as estratégias de propaganda e marketing que criamos para melhorar a nossa imagem institucional? Talvez publicar aquela foto do vinho que degustei semana passada dê um improvement no meu quesito paladar refinado de petit sommelier, ou então adicionar a informação da conclusão da minha pós-graduação mostre ao “mercado” a minha preocupação com o desenvolvimento constante e sustentável da marca “Eu”. Será dizer muito que as relações humanas estão se convertendo em relações institucionais? Se sim, estou precisando urgentemente de um Vice-Presidente de Relações Institucionais ou de um lobista bem relacionado.

Não. Não sou hipócrita. Também estou “institucionalmente” lá e se você está lendo este texto é porque de alguma maneira você esbarrou com a “Eu” na rede mundial de computadores. Lá você encontra informações valiosas do que eu sou e pode acompanhar num timeline a história virtual da adeildo.com.

Ainda me pergunto onde encontrar a temperança no meio de tudo isso. Qual o ideal humano? Qual o fim e a visão que devemos seguir? A tecnologia mais ajuda ou atrapalha? As relações virtuais estão nos tornando  homens e mulheres melhores?

Talvez a resposta resida na simplicidade, ou seja, não se institucionalize tanto assim. Seja mais informal. Seja um camelô de si mesmo. Faça venda boca a boca ou porta a porta. Prefira um escambo de ganha ganha com os mais chegados. Não se preocupe tanto em registrar os momentos quanto em vivê-los intensamente, mesmo que o “mercado” não tome conhecimento deles.

Talvez assim gastemos menos tempo nos preocupando com o que somos. Afinal de contas, tenho plena convicção que nenhuma rede social consegue ou algum dia conseguirá explicar “quem” somos nós.

Não permita que a institucionalização do “Eu” tire a pureza dos seus ideais. O objetivo por trás da sua criação é bem maior que tudo isto.

Tudo é puro para os que são puros. Tt 1:15

sexta-feira, 27 de julho de 2012

A alegria do fim

Nas últimas vezes que fui ao cinema me dei conta de uma coisa interessante e atual: antigamente, ao começar subir os créditos ou ao verem o “the end” projetado na tela todos começavam a sair da sala, mas ultimamente a regra tem mudado. Todos esperam para ver qual a “deixa” de continuidade da história. A ficha só me caiu quando eu já estava na porta de saída e meu filho lá esperando, segundo ele, o que ia acontecer depois do fim.

Talvez Hollywood tenha notado a nossa dificuldade com o “fim” das coisas. Não sei quantos homens aranha ainda vão existir ou ter suas histórias reescritas, remodeladas, e outros “re’s” pela frente, mas de uma coisa eu sei: nós temos sérios problemas com o “fim”.

Acredito que em grande parte este receio em relação ao fim esteja intimamente ligado com o início e meio de algumas histórias de vida. A lei da semeadura é implacável e imutável, só se colhe aquilo que se planta. A esperança de mudar o meio da história na busca de um fim melhor, ou então, tentar reescrever ou refilmar um roteiro de vida marcado por decisões e escolhas erradas pode ser a raiz do problema de algumas pessoas com o “fim”. A história ainda não está no ponto de acabar ou então está tão boa que não precisava terminar.

Então, quem não gostaria de ter este poder? Incluir uma “deixa” de continuidade no final de suas vidas? Estender sua película numa saga feita de capítulos longos e com isto adiar o fim? Quando todos se preparam para sair da sala, subitamente, um olho se abre, uma mão se levanta, uma carta chega pelo correio, é encontrada embaixo de um móvel, alguém sussurra um nome, alguém morre em seu lugar.

Curiosamente, segundo a Bíblia, o fim das coisas é melhor que o início delas (Ec 7:8). Não tenho dúvidas de que todos os bons roteiros foram escritos de trás para frente. Toda vez que escrevo um conto o que primeiro me vem à mente é o seu fim. Todo o resto trabalha em função dele. Este é o momento épico, crucial e importante de toda boa história.

Vivemos submissos ao tempo, ou a noção dele se você for mais filosófico. O ponto é que existe limite para quase tudo e o fim invariavelmente chega. Ele pode ser apoteótico e alegre ou catastrófico e infeliz, depende de como a história foi escrita.

Estão tentando, mas não vão conseguir tirar a alegria do meu fim, ele foi escrito muito antes de eu existir. Tenho a plena convicção de que o final desta história será bem melhor que o começo, sem a necessidade de refilmagens ou de novos roteiros. Não será necessário nenhuma “deixa” de continuação nem terá aspectos de uma trilogia. É necessário que haja o fim para que venha o novo, do contrário viveremos um eterno déjà vu.

Tudo passa, tudo acaba...

... menos o amor (isso é o que virá depois do fim).


quarta-feira, 9 de maio de 2012

Grama do vizinho - Dois Testamentos

Conta a história que, antes de iniciar a Segunda Guerra Mundial, havia numa certa cidade da Europa um rico negociante que tinha dois filhos e uma filha. A esposa morrera e ele já estava velho e cansado.

Por essa razão e para facilitar a partilha dos bens, resolveu fazer o testamento. No documento que teria valor após a morte do negociante, lia-se o seguinte:

Ao meu filho mais velho, que ama a natureza, deixo-lhe a fazenda que possui todas as condições para ele viver. Ao meu filho mais jovem, cuja inclinação para o comércio é conhecida por todos, deixo-lhe a grande casa comercial na qual ganhei toda a minha fortuna. À minha filha, a qual ama as artes e tudo quanto é belo, deixo o meu palácio e todos os objetos de arte que consegui colecionar.”

Foi esse o primeiro testamento do negociante, testamento reconhecidamente justo.

Aconteceu, porém, que alguns meses depois iniciou-se a guerra na Europa. Essa cidade foi uma das mais sacrificadas do conflito mundial. Ao terminar a guerra o negociante que fizera o testamento perdeu tudo quanto possuía.

Contudo havia alguma coisa que a guerra não destruíra. Fez então novo testamento, desta vez muito diferente. Sendo homem de fé, depois de orar a Deus, ele mesmo e não o tabelião escreveu o novo testamento, no qual se lia o seguinte:

“Ao meu filho mais velho deixo a infalível fé em Deus, o qual cuida dos humildes. Ao meu filho mais novo deixo a fraternidade e o amor que reparte com os necessitados. À minha filha deixo a verdade e a bondade que apontam para as belezas da eternidade.”

Agora, pergunto a você: Qual foi o melhor desses dois testamentos?

Encontrei tal preciosidade em minhas relíquias literárias, coisa pra 1.973 afora, mas nem por isso deixa de ser uma reflexão atual.


Esli Siqueira é psicanalista clínico e escreve para o portal adcolombo.com.br

segunda-feira, 7 de maio de 2012

A parábola do vírus e do sistema

O reino dos céus é semelhante ao engenheiro de software que cria um sistema; mas, cochilando enquanto seu servidor está conectado a rede, veio um hacker, venceu seu firewall e inseriu um vírus em seu sistema.

E, no lançamento e utilização do sistema, viu ele que entre milhares de linhas de códigos apareceu também o vírus.

E os programadores, indo ter com ele, disseram-lhe: Chefe, não programaste tu, no teu laboratório, apenas códigos do sistema? Por que tem, então, vírus?

E ele lhes disse: Um hacker é quem fez isso. E os programadores lhe disseram: Queres pois que vamos retirá-lo?

Ele, porém, lhes disse: Não; para que, ao retirar o vírus, não coloqueis em risco o funcionamento de todo o sistema.

Deixai que ambos rodem juntos até a próxima versão; e, direi aos programadores: aproveitem apenas os códigos bons para a próxima versão; o vírus permanecerá esquecido na versão passada.



Robin diria: “Santa contextualização Batman!”.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

A tentação de olhar para trás

O processo começa com uma sensação de perda. Uma impressão de que o quê ficou para trás era muito mais valioso do que aquilo que está a sua frente. Uma sensação de que talvez, no último cruzamento o caminho a ser tomado era o outro. Ou então que você não devia ter saído do asfalto e se aventurado por esta estrada de chão.

O medo também tem seu lugar neste processo. A sensação é de que se você não olhar para trás alguma coisa vai te apanhar de surpresa. Te apanhar desprevenido. Nada mais justo do que se proteger. Conhecer o seu perseguidor, dar ritmo a mudança. Será que o meu passo está adequado? Será que não preciso me apressar um pouco mais? Ilusão. Pura ilusão. Tudo parece trabalhar de forma orquestrada para que você olhe para trás.
Os sinais deixam de fazer sentido. Mesmo com sua cidade em vias de ser destruída, ainda que os avisos e sinais apontem para o final breve, apesar de tudo e de todos. Só uma olhadinha. Não vai fazer mal. Você já viveu lá por tanto tempo. Uma olhada apenas para se despedir. Depois você promete que não olha mais.
Então, como se por espasmo, você começa a olhar para os lados. Parece que seu pescoço precisa dar uma giradinha, quase uma espreguiçada, um relax diria eu. Efeitos físicos da tentação. Uma espiada de canto de olho. Você não se contenta. Não dá para enxergar direito assim. É preciso parar, girar o corpo e fixamente olhar para o que ficou lá.
Pronto. Você olha. Era só isso que você precisava. Não doeu nada. Agora você pode se virar novamente e seguir em frente.
Mas aquela visão te hipnotiza. Aquela vista familiar e saudosista te prende a atenção. Você fixa o olhar e aos poucos não consegue mais se mexer. Subitamente um gosto salgado te enche a boca e o calor da salvação dá lugar ao frio costumeiro da sua antiga casa, sua antiga cidade.
Olhar para trás não é mais uma opção, é um castigo. Seus olhos permanecerão eternamente abertos para ver o que você deveria ter deixado para trás.

Gênesis 19:26

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Grama do vizinho - Esli Siqueira


ESTA GERAÇÃO “PREPARADA” É A MAIS DESPREPARADA 

Ao conviver com os bem mais jovens, com aqueles que se tornaram adultos há pouco e com aqueles que estão tateando para virar gente grande, percebo que estamos diante da geração mais preparada – e, ao mesmo tempo, da mais despreparada. Preparada do ponto de vista das habilidades, despreparada porque não sabe lidar com frustrações. Preparada porque é capaz de usar as ferramentas da tecnologia, despreparada porque despreza o esforço. Preparada porque conhece o mundo em viagens protegidas, despreparada porque desconhece a fragilidade da matéria da vida. E por tudo isso sofre, sofre muito, porque foi ensinada a acreditar que nasceu com o patrimônio da felicidade. E não foi ensinada a criar a partir da dor.

Há uma geração de classe média que estudou em bons colégios, é fluente em outras línguas, viajou para o exterior e teve acesso à cultura e à tecnologia. Uma geração que teve muito mais do que seus pais. Ao mesmo tempo, cresceu com a ilusão de que a vida é fácil. Ou que já nascem prontos – bastaria apenas que o mundo reconhecesse a sua genialidade.

Tenho deparado com jovens que esperam ter no mercado de trabalho uma continuação de suas casas – onde o chefe seria um pai ou uma mãe complacente, que tudo concede. Foram ensinados a pensar que merecem, seja lá o que for que queiram. E quando isso não acontece – porque obviamente não acontece – sentem-se traídos, revoltam-se com a “injustiça” e boa parte se emburra e desiste.

Como esses estreantes na vida adulta foram crianças e adolescentes que ganharam tudo, sem ter de lutar por quase nada de relevante, desconhecem que a vida é construção – e para conquistar um espaço no mundo é preciso ralar muito. Com ética e honestidade – e não a cotoveladas ou aos gritos. Como seus pais não conseguiram dizer, é o mundo que anuncia a eles uma nova não muito animadora: viver é para os insistentes.

Por que boa parte dessa nova geração é assim? Penso que este é um questionamento importante para quem está educando uma criança ou um adolescente hoje. Nossa época tem sido marcada pela ilusão de que a felicidade é uma espécie de direito. E tenho testemunhado a angústia de muitos pais para garantir que os filhos sejam “felizes”. Pais que fazem malabarismos para dar tudo aos filhos e protegê-los de todos os perrengues – sem esperar nenhuma responsabilização nem reciprocidade.

É como se os filhos nascessem e imediatamente os pais já se tornassem devedores. Para estes, frustrar os filhos é sinônimo de fracasso pessoal. Mas é possível uma vida sem frustrações? Não é importante que os filhos compreendam como parte do processo educativo duas premissas básicas do viver, a frustração e o esforço? Ou a falta e a busca, duas faces de um mesmo movimento? Existe alguém que viva sem se confrontar dia após dia com os limites tanto de sua condição humana como de suas capacidades individuais

Nossa classe média parece desprezar o esforço. Prefere a genialidade. O valor está no dom, naquilo que já nasce pronto. Dizer que “fulano é esforçado” é quase uma ofensa. Ter de dar duro para conquistar algo parece já vir assinalado com o carimbo de perdedor. Bacana é o cara que não estudou, passou a noite na balada e foi aprovado no vestibular de medicina. Este atesta a excelência dos genes de seus pais. Esforçar-se é, no máximo, coisa para os filhos da classe C, que ainda precisam assegurar seu lugar no país.

Da mesma forma que supostamente seria possível construir um lugar sem esforço, existe a crença não menos fantasiosa de que é possível viver sem sofrer. De que as dores inerentes a toda vida são uma anomalia e, como percebo em muitos jovens, uma espécie de traição ao futuro que deveria estar garantido. Pais e filhos têm pagado caro pela crença de que a felicidade é um direito. E a frustração, um fracasso. Talvez aí esteja uma pista para compreender a geração do “eu mereço”.

Basta andar por esse mundo para testemunhar o rosto de espanto e de mágoa de jovens ao descobrir que a vida não é como os pais tinham lhes prometido. Expressão que logo muda para o emburramento. E o pior é que sofrem terrivelmente. Porque possuem muitas habilidades e ferramentas, mas não têm o menor preparo para lidar com a dor e as decepções. Nem imaginam que viver é também ter de aceitar limitações – e que ninguém, por mais brilhante que seja, consegue tudo o que quer.

A questão, como poderia formular o filósofo Garrincha, é: “Estes pais e estes filhos combinaram com a vida que seria fácil”? É no passar dos dias que a conta não fecha e o projeto construído sobre fumaça desaparece deixando nenhum chão. Ninguém descobre que viver é complicado quando cresce ou deveria crescer – esse momento é apenas quando a condição humana, frágil e falha, começa a se explicitar no confronto com os muros da realidade. Desde sempre sofremos. E mais vamos sofrer se não temos espaço nem mesmo para falar da tristeza e da confusão.

Parece-me que é isso que tem acontecido em muitas famílias por aí: se a felicidade é um imperativo, o item principal do pacote completo que os pais supostamente teriam de garantir aos filhos para serem considerados bem-sucedidos, como falar de dor, de medo e da sensação de se sentir desencaixado? Não há espaço para nada que seja da vida, que pertença aos espasmos de crescer duvidando de seu lugar no mundo, porque isso seria um reconhecimento da falência do projeto familiar construído sobre a ilusão da felicidade e da completude.

Quando o que não pode ser dito vira sintoma – já que ninguém está disposto a escutar, porque escutar significaria rever escolhas e reconhecer equívocos -, o mais fácil é calar. E não por acaso se cala com medicamentos e cada vez mais cedo o desconforto de crianças que não se comportam segundo o manual. Assim, a família pode tocar o cotidiano sem que ninguém precise olhar de verdade para ninguém dentro de casa. Se os filhos têm o direito de ser felizes simplesmente porque existem – e aos pais caberia garantir esse direito -, que tipo de relação pais e filhos podem ter? Como seria possível estabelecer um vínculo genuíno se o sofrimento, o medo e as dúvidas estão previamente fora dele? Se a relação está construída sobre uma ilusão, só é possível fingir.

Aos filhos cabe fingir felicidade – e, como não conseguem, passam a exigir cada vez mais de tudo, especialmente coisas materiais, já que estas são as mais fáceis de alcançar – e aos pais cabe fingir ter a possibilidade de garantir a felicidade, o que sabem intimamente que é uma mentira porque a sentem na própria pele dia após dia. É pelos objetos de consumo que a novela familiar tem se desenrolado, onde os pais fazem de conta que dão o que ninguém pode dar, e os filhos simulam receber o que só eles podem buscar. E por isso logo é preciso criar uma nova demanda para manter o jogo funcionando.

O resultado disso é pais e filhos angustiados, que vão conviver uma vida inteira, mas se desconhecem. E, portanto, estão perdendo uma grande chance. Todos sofrem muito nesse teatro de desencontros anunciados. E mais sofrem porque precisam fingir que existe uma vida em que se pode tudo. E acreditar que se pode tudo é o atalho mais rápido para alcançar não a frustração que move, mas aquela que paralisa.

Quando converso com esses jovens no parapeito da vida adulta, com suas imensas possibilidades e riscos tão grandiosos quanto, percebo que precisam muito de realidade. Com tudo o que a realidade é. Sim, assumir a narrativa da própria vida é para quem tem coragem. Não é complicado porque você vai ter competidores com habilidades iguais ou superiores à sua, mas porque se tornar aquilo que se é, buscar a própria voz, é escolher um percurso pontilhado de desvios e sem nenhuma certeza de chegada. É viver com dúvidas e ter de responder pelas próprias escolhas. Mas é nesse movimento que a gente vira gente grande.

Seria muito bacana que os pais de hoje entendessem que tão importante quanto uma boa escola ou um curso de línguas ou um iPad é dizer de vez em quando: “Te vira, meu filho. Você sempre poderá contar comigo, mas essa briga é tua.” Assim como sentar para jantar e falar da vida como ela é: “Olha, meu dia foi difícil” ou “Estou com dúvidas, estou com medo, estou confuso” ou “Não sei o que fazer, mas estou tentando descobrir”. Porque fingir que está tudo bem e que tudo pode significa dizer ao seu filho que você não confia nele nem o respeita, já que o trata como um imbecil, incapaz de compreender a matéria da existência. É tão ruim quanto ligar a TV em volume alto o suficiente para que nada que ameace o frágil equilíbrio doméstico possa ser dito.

Agora, se os pais mentiram que a felicidade é um direito e seu filho merece tudo simplesmente por existir, paciência. De nada vai adiantar choramingar ou emburrar ao descobrir que vai ter de conquistar seu espaço no mundo sem nenhuma garantia. O melhor a fazer é ter a coragem  de escolher. Seja a escolha de lutar pelo seu desejo – ou para descobri-lo –, seja a de abrir mão dele. E não culpar ninguém porque eventualmente não deu certo, porque com certeza vai dar errado muitas vezes. Ou transferir para o outro a responsabilidade pela sua desistência.

Crescer é compreender que o fato de a vida ser falta não a torna menor. Sim, a vida é insuficiente. Mas é o que temos. E é melhor não perder tempo se sentindo injustiçado porque um dia ela acaba. A vida é como estarmos numa grande fila, e fique você ciente de que a fila está andando, e a vez de cada um chegará.

Esli Siqueira é psicanalista clínico e escreve para o portal adcolombo.com.br 

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Não quebre meu galho

Existe uma história antiga, cujo autor eu não conheço, que fala sobre um homem que escorregou na beira de um penhasco. Enquanto ele caía conseguiu se segurar num galho. Sentindo a situação piorar cada vez mais começou a gritar em direção do abismo: “Socorro. Tem alguém aí?” foi quando ouviu uma voz que lhe disse: “Olá. Eu sou Deus, estou aqui. Apenas solte do galho e se jogue que eu te seguro”. O homem pensou por alguns instantes e gritou novamente: “Tem alguém mais aí?”.

Fé. Negócio complicado este. Fé no invisível. Piorou.

Difícil colocar a fé naquilo que não vemos, não tocamos.

Normalmente, e acredito que na maioria das vezes, a fé cristã é confundida com pensamento positivo. Com foco otimista no que ainda está por vir. Isso tem rendido alguns milhões para alguns espertos que começaram a comercializar este tipo de fé. Um misto de autoajuda com palavras positivistas e deterministas que acham um terreno extremamente fértil no coração de pessoas sofridas, pobres e esquecidas pelos nossos poderes públicos e escravizadas num país em que a divisão de renda não é lá essas coisas.

A quem diga que a canalização dos pensamentos positivos, a verbalização dos desejos e por aí vai sejam um “segredo” dado a poucos agraciados que tem enriquecido, sarado e prosperado de uma maneira nunca antes vista. A junção deste pensamento com mensagens cristãs tem produzido um sincretismo avassalador que tem encontrado abrigo em vários ouvidos e corações. Tudo embalado em lindos pacotes floridos e coloridos produzidos e entregues em enormes campanhas de divulgação do tipo “seus problemas acabaram”.

Tudo muito diferente da mensagem pregada por um carpinteiro pobre, nada bonito, nada elegante, nada midiático e muito menos engomado. Quem se jogaria de sua vida abastada, tranquila e próspera na conversa de um judeu maluco que aparece dizendo ser o filho de Deus? C.S. Lewis já havia dito isto há algum tempo atrás quando falou que Jesus não deixou espaço para dúvidas, ou era louco ou era o filho de Deus, nada além disso. Hoje já acharam o meio termo dessa história e o estão usando para angariar fundos. Jesus líder, executivo, empreendedor, psicólogo, ensinador, professor, comunicador, poeta, artista, rebelde, assistente social e por aí vai. Tudo para comprovar que “tem mais alguém aí” além do Deus encarnado, do Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Tudo para tirar o foco do calvário.

Note que as mensagens atuais de fé (a prova daquilo que não vemos) perderam o foco das coisas que não conseguimos ver e tocar e sutilmente deram lugar a mensagens mais palpáveis e visíveis, ou seja, é fácil se identificar com um executivo, psicólogo, etc. e muito mais difícil se identificar com alguém que deixa toda a sua glória e que morre por seus inimigos. É muito mais fácil se identificar e seguir um grande general do que alguém que oferece a outra face depois de uma bofetada. É mais fácil ter como parâmetro homens ricos e prósperos do que imitar alguém que vende tudo o que tem e dá aos pobres. Mais fácil acreditar na casa nova, no carro e na promoção do que tomar uma cruz em suas costas.

A maioria até pede por socorro e busca referenciais de fé, mas quando são apresentados ao verdadeiro evangelho preferem clamar por “alguém mais” além Dele. Os espertos de plantão entenderam o novo clamor social e produziram o que eu diria ser um “Jesus Light”. Um salvador para cada tipo de freguês. Uma fé para cada tipo de necessidade.

Assim ninguém precisa dar saltos de fé. Todo mundo seguro, torcendo para que seus galhos não quebrem até que passe alguém que os tire de lá sem a necessidade de que se joguem.

“Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não veem.” Hb 11:1

sábado, 4 de fevereiro de 2012

O melhor de Deus

O melhor de Deus não está por vir. O melhor de Deus já veio. JESUS. Nunca o “em memória de mim” fez tanto sentido quanto hoje. Que Ele nos lembre de não esquecer.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

sábado, 28 de janeiro de 2012

Melhor assim - Final

Pedro caiu de joelhos ao lado da cama de Guilherme. Inerte sentiu seu coração se acalmar e a razão lhe voltar à mente.

A imagem que lhe veio à alma foi o exato momento, último momento, em que seus olhos cruzaram os de Isaura antes que ela desaparecesse. Pois naquele instante, a partir daquele momento, as coisas mudaram e só agora ele começava a entender as coisas como elas realmente se mostravam.

Não foi apenas Isaura que desapareceu. Junto com ela e com Guilherme também foi sua consciência. Ele se deu conta de que quando Isaura estava lá, seus pensamentos vagavam entre o que era certo e o que era errado. Se batia, sufocava e até matava a esposa. O sentimento de vingança e de culpa se alternavam em sua mente fazendo com o que a força do seu braço também se alternasse. Agora era diferente. A culpa e a vingança não estavam mais lá. Um súbito e forte sentimento racional lhe tomou por completo. Era como se as emoções tivessem deixado de existir. Como se o bem e o mal não mais travassem uma luta dentro dele. A atmosfera estava diferente. Ele inconscientemente sabia que alguma coisa havia sido retirada dele, da casa, do mundo, mas não sabia o quê. Só sabia que essa falta estava lhe fazendo bem naquele exato instante.

Pedro se levantou. Enxugou o suor do rosto. Abriu a janela do quarto e uma brisa suave lhe tocou a face. Apesar de toda a loucura daquela situação ele nunca esteve tão lúcido como naquele momento e a noite nunca havia lhe parecido tão acolhedora.

Silêncio. Pedro notou que o seu interior havia se calado. Onde está a minha voz? Porque não ouço mais o que eu tenho a dizer? O que faço agora? Se aquela situação lhe acalmava também lhe causava estranheza. Ele nunca havia se sentido daquele jeito. Quem mais falava dentro de mim? Porque não o escuto mais? O que se seguiu foi uma imensa sensação de solidão.

Mas se por um lado o silêncio interior e a solidão lhe batiam com fortes golpes, de outro a razão nunca lhe foi tão aguçada. Como um gênio capaz de solucionar as mais difíceis equações, Pedro se lembrou de tudo o que tinha se passado até aquele exato momento. De todas as decisões erradas que havia feito em sua vida. Entre elas, Isaura e Guilherme. Não era necessário que ninguém mais falasse em seu interior. Ele agora conseguia entender tudo por si só. Era como se um véu lhe fosse tirado dos olhos repentinamente.

“Melhor assim!”, foram as palavras que lhe saíram da boca. Nem nos seus melhores planos Pedro poderia imaginar uma solução como esta. Quem não gostaria de ver seus problemas simplesmente desaparecendo.

No céu uma lua cheia e clara iluminava toda a casa e o relógio do quarto de Guilherme marcava 0:00hs.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

O menino e o vale

Numa terra muito distante, onde não havia sol, uma tribo vivia dentro de uma imensa caverna iluminada pelas chamas de suas grandes tochas.

As densas trevas do vale fora da caverna sintetizavam tudo o que havia de mais aterrorizante e perigoso para eles. Histórias de pessoas que deixaram a caverna e que tiveram suas labaredas de luz quente consumidas pela fria escuridão eram contadas aos jovens que as ouviam com muito medo e respeito.

Todos nasciam e cresciam dentro da imensa caverna e ninguém ousava deixa-la. Aquele povo só prosperaria mantendo-se dentro da caverna e preservando aceso o fogo que segundo a lenda lhes havia sido enviado por Deus.

Certo dia ouviram-se gritos de socorro vindos de fora da caverna. Todos ficaram atordoados e perplexos com o que ouviram. Afinal de contas não lhes faltava ninguém. Todos estavam lá, sãos e salvos.

O conselho da tribo se reuniu para discutir o que deveria ser feito. A maioria dizia não fazer sentido se aventurar nas densas trevas do vale para salvar alguém que eles nem sabiam quem era. Grupos de resgate foram descartados, uma vez que a luz de suas tochas se dissiparia fora da caverna e à medida que menos tochas iluminassem a caverna mais escuridão entraria lá e colocaria em risco todo o povo.

Enquanto discutiam sem chegar a nenhuma conclusão os gritos de socorro se intensificavam e ficavam cada vez mais desesperados.

De repente, quando olharam para a entrada da caverna, viram o filho do chefe da tribo com uma pequena tocha saindo em direção ao vale. Todos correram para tentar impedi-lo, mas à medida que se afastava a luz de sua chama ia sumindo na escuridão. Amedrontados em seguir atrás dele, desistiram da ação.

Os minutos que se seguiram foram de confusão e pavor. O chefe da tribo culpava seus homens por não terem impedido seu filho. As mulheres choravam e se lamentavam pela criança e seguravam seus filhos lhes dizendo que nunca repetissem uma sandice daquela.

Só quando todos pararam de discutir é que se deram conta de que os gritos de socorro haviam cessado.

Os lamentos e choros pelo menino duraram vários meses. O tempo passou e nunca mais se teve notícias dele.

Misteriosamente, após aquele dia, ano após ano, o vale ficava mais claro e mais quente.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Melhor assim - Parte 5

“Lançai sobre mim”, nada antes tinha falado tão alto ao coração de Isaura quanto isto. Um refrigério inexplicável invadia seu coração junto com uma sensação de alívio enquanto sentia um peso sendo retirado de suas costas.

Ela aceitou tão prontamente aquele convite que a distância da cadeira onde estava sentada até o chão frio na frente daquele pequeno salão parecia um só passo. Lourdes a abraçava e chorava. Não era um choro de tristeza, mas de muito contentamento. O que antes parecia ser um beco sem saída subitamente se transforma num caminho a ser trilhado com confiança e fé. Alguém a amava incondicionalmente.

Todos os problemas ainda estavam lá. Pedro não havia mudado. Seu casamento ainda precisava de restauração, mas agora a força para enfrenta-los nascia da sua própria fraqueza, do conhecimento de sua incapacidade e da confiança de que alguém se importava com ela e que chamava sua atenção nas tormentas da vida. Não era preciso pagar nenhum preço, muito pelo contrário, apenas desfrutar de um preço que já havia sido pago por outra pessoa.

Isaura deixou seu fardo naquele lugar. Isaura estava perdida e foi achada. Isaura mudou. Isaura nasceu de novo.

Os dias que se seguiram foram de completo espanto e admiração dos amigos e vizinhos de Isaura. “O quê te aconteceu mulher? Tá tão diferente?” era o comentário mais comum do bairro. Comentário esse que também chegou aos ouvidos de Pedro. Os colegas do boteco não demoraram a fazer piadas a respeito da situação.

É possível crer em alguém só de ouvir falar? Parece loucura, mas foi exatamente isso que Isaura fez. Suas esperanças não estavam mais depositadas neste mundo.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

O limite da fraqueza

"Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os fracos." 1 Co 9:22. Lendo este texto fico me perguntando se Paulo pensou em algum limite para esta fraqueza quando o escreveu. Também me pergunto se atualmente a suposta fraqueza de alguns efetivamente tem o objetivo santo de ganhar os fracos.

Até que ponto a pregação do evangelho tem que se sujeitar a modismos e ondas pós-modernas de dominação do mundo e principalmente do consciente e inconsciente coletivo? Será que a cruz precisa de estratégias agressivas de marketing como os produtos tecnológicos ou as cadeias de varejo? Será que a TV e os programas de auditório, antes tão atacados pelos cristãos tradicionalistas, agora são a mais indicada forma de se pregar o evangelho de Cristo? Boas perguntas.

Não consigo acreditar que Paulo toparia lançar oferendas para Iemanjá a fim de alcançar os seus devotos. Também não consigo imaginar que Paulo toparia subir num palco e cantar “ai se eu te pego” a fim de abrir caminho para o coração do pessoal da “tribo” do sertanejo universitário. Não acredito em discipulado feito virtualmente, não foi assim que Jesus fez. Também não creio que o evangelho precise de subterfúgios de entretenimento coletivo para “vender” sua mensagem. Até porque ele não precisa ser vendido, é gratuito.

Talvez o limite da fraqueza citada por Paulo seja o da pessoalidade. Se fazer de fraco não significa ser fraco, ou seja, não é necessário ser viciado em nada para ter o mínimo de empatia com aqueles que são. Do contrário, seguindo esta lógica, seríamos forçados a pecar para demonstrar amor aos que pecam. Jesus não pecou e ninguém amou mais o pecador que ele.

Outro ponto é o motivo explicitado por Paulo para este tipo de atitude, ganhar os fracos. Se fazer de fraco só tinha este objetivo. Como sempre a resposta está no motivo e não na ação em si. Não tenho dúvidas quanto aos objetivos de Paulo, sua vida traduziu na íntegra tudo o que ele pregou. E hoje? O motivo ainda é o mesmo? Estamos fazendo papel de tolos e fracos buscando as mesmas glórias de Paulo? Tenho lá minhas dúvidas. E quando digo isso não penso em ninguém mais além de mim. Meu coração é enganoso e falho. Vivo a várias centenas de anos distante de Paulo e do primeiro derramar do Espírito Santo. Tenho receio de, no mínimo, me perder na fraqueza enquanto tento ganhar os fracos. Acho melhor mostrar a fortaleza da rocha na qual procuro me firmar a cada novo dia.

Na maior parte das vezes acho que estamos abrindo mão da nossa responsabilidade na expansão do reino. A maior propaganda do evangelho deveria ser nossas vidas. Pregações ambulantes. Corpos cravejados de cicatrizes que provam a eficácia do evangelho. Vidas redimidas e limpas através do sangue de um cordeiro inocente. Mas ao invés disso, na maior parte do tempo, temos terceirizado nosso chamado para ícones do mundo gospel na esperança que eles preguem, discipulem e conduzam vidas até a cruz.

É difícil não ser pessimista quanto a eficácia dessa estratégia para o reino de Cristo. Continuo acreditando não haver comunhão entre luz e trevas.

O limite da fraqueza citada por Paulo é Jesus. Enquanto Ele for o ÚNICO caminho apontado por você ok, mas caso Ele se torne UM DOS, então você deixou de se fazer de fraco e passou a ser um deles.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Melhor assim - Parte 4

"Eu te mato", este era o único pensamento de Pedro enquanto tentava abrir a porta do quarto que havia sido trancada por Isaura.

Pedro continuou procurando pela casa toda. Sua respiração era ofegante e seus olhos marejados de ódio vasculhavam cada canto da sala e da cozinha. Nada, simplesmente nada. Ela havia evaporado como num passe de mágica ou algo assim. Pedro não sabia mais o que pensar e o que fazer. “Será que estou sonhando? Isso não é possível.”

Pedro se sentou no sofá da sala tentando colocar a mente em ordem. “Calma. Tem alguma explicação para isso. Ela não vai conseguir escapar assim tão fácil.” A calma aparente estava recheada de um ódio que arquitetava coisas horrendas para quando a encontrasse. Então, seus olhos se abriram, sua testa franziu e ele se lembrou de Guilherme.

“É isso. Ela ama esse pestinha. Já sei como a fazer aparecer.” Pedro seguiu calmamente até a porta do quarto de Guilherme, parou e girou a maçaneta bem devagar.

Isaura era muito dedicada ao seu filho. Guilherme era o único que conseguia tirar um sorriso dela. Os dois costumavam se sentar juntos no chão da sala e passarem horas brincando. Guilherme era o último sopro de vida de Isaura. Muito diferente disso, Pedro nunca esboçou um gesto de carinho com Guilherme. Suas respostas eram secas e ríspidas. Nos primeiros anos de vida de Guilherme Pedro tentou bater nele algumas vezes, mas Isaura sempre interveio quase sempre apanhando em seu lugar. O amor de mãe era tão grande que ela já havia comentado com todos no bairro, principalmente com aqueles que sabiam de seu calvário, que Guilherme era a única razão dela não desistir de tudo, de não tirar a própria vida.

Pedro abriu a porta do quarto lentamente. A luz da sala foi invadindo aquele pequeno quarto cheio de brinquedos espalhados pelo chão. Enquanto a claridade subia pelo cobertor do menino a mente de Pedro se enchia de pensamentos maus. “Ela vai aparecer. Ela não vai suportar me ver surrando esse pestinha.”

Pedro entrou no quarto sem fazer barulho e parou ao lado da cama. Seu rosto se transformou de tanta ira. Suas mãos trêmulas e o suor que escorria em sua testa eram a tradução de todo o ódio que estava sentindo.

Guilherme não estava lá.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Ou tudo ou nada

O juiz nazista Roland Freisler durante o julgamento de Helmut Moltke disse uma frase que ficou célebre no mundo todo. Ao comparar o nazismo com o cristianismo Roland disse: “Nós e o cristianismo só temos uma coisa em comum: exigimos a pessoa toda!”.

Olho para esta frase e tento fazer um paralelo com o cristianismo que vivemos hoje. São tantas vozes, discursos, defesas e ataques de como os cristãos devem se portar numa sociedade pós-moderna relativista e cheia de sincretismos religiosos, que me parece que Roland talvez pensaria duas vezes em pronunciá-la novamente. Por quê? Talvez Roland não encontre mais um “cristianismo” que exija a pessoa toda.

É quase chover no molhado mas é sempre bom lembrar o que significava ser cristão logo após a ressureição de Cristo. Além de exigir a pessoa toda em vida o preço mais comum a ser pago pela cristandade era encarar a própria morte, ou seja, efetivamente doar a própria vida. Particularmente se ouvisse Roland dizer isso nessa época certamente diria que ele estava forçando a barra pois não acredito que o fervor de um soldado nazista era o mesmo de um jovem cristão antes de ser devorado por leões.

Contudo, hoje em dia, as concessões feitas por cristãos pós-modernos batem de frente com a afirmação de Roland. Hoje é possível ser cristão mas viver pacificamente com ideologias que mudam radicalmente o cerne do evangelho de Cristo. É possível ser cristão e abrir concessões a ponto de pregar Jesus como sendo mais um caminho e não mais O ÚNICO caminho. É possível ser cristão e dividir sua vida em busca de “bênçãos” modernas e utilitaristas. É possível ser cristão por apenas 2 horas na semana e investir o resto do seu tempo. Afinal de contas tempo é dinheiro e dinheiro é sinal de vitória e sucesso.

O mundo evolui e junto com ele a decadência moral e espiritual do homem. Até que ponto os cristãos se manterão fiéis ao cerne do evangelho de Cristo, aquele que exige a pessoa toda, eu não sei. O que sei é que isso tudo não é novidade nem surpresa para nós.

A iniquidade se multiplicará até o ponto em que “a pessoa toda” signifique um preço muito alto. Quanto mais o tempo passar a comparação de Roland fará menos sentido para quase todos.

Ou tudo ou nada. Jesus não deixou espaço para meio termo.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Melhor assim - Parte 3

Afinal de contas, quem pode definir o seu destino? Será que já está tudo escrito mesmo? Pensamentos e perguntas rodeavam os pensamentos de Isaura. Emoções e sentimentos que se misturavam com a preocupação em não atrasar o jantar de Pedro.

Com o passar das horas ela começou a refletir sobre a maluquice que estava fazendo. “Isso aqui é um lugar de loucos. Não sei o que estou fazendo aqui. O Pedro vai me matar hoje.”, pensava Isaura enquanto Lourdes tentava tornar aquela reunião agradável e entendível para ela.

De repente um homem esguio, com um terno surrado e uma gravata esquisita assume o microfone e começa a falar calmamente. No início as palavras dele pareciam emocionais demais para Isaura mas um tempero e um apelo no ar a fez querer prestar um pouco mais de atenção a tudo aquilo.

Um discurso meio sem nexo. Ela não entendia quase metade do que ele falava mas gostava da convicção com que ele pronunciava cada frase. Quando começou a ligar os pensamentos dele ela quase começou a dar risadas. “Não é possível! É isso mesmo que ele está dizendo? Definitivamente estou no meio de loucos. Quem pode acreditar numa tolice dessas?”. Isaura começou a ficar incomodada com aquilo tudo e disse a Lourdes que queria ir embora. Lourdes insistiu para que ela esperasse um pouquinho mais. “Assim que ele terminar podemos ir.” lhe garantiu sua vizinha.

Não mais que por acaso o discurso dele começou a mudar e as maluquices sobre um povo que iria desaparecer deram lugar a possibilidades de recomeço, de perdão e descanso. Isaura nunca havia escutado aquela história antes tão conhecida contada daquela forma. Um certo silêncio apareceu em sua alma e nenhum barulho externo parecida incomodá-la mais. Era como se aquela história fosse a dela e aquele remédio fosse o que ela mais precisasse.

“A Lourdes contou tudo para ele. Eu mato ela. Isso que dá confiar nas pessoas. Bem que o Pedro me disse!” esta era a única explicação que Isaura encontrava para aquelas súbitas palavras ditas por um homem que ela nunca tinha visto antes.

Mesmo assim lágrimas começaram a lhe molhar a face e a hora do jantar de Pedro não lhe incomodava mais.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Grama do vizinho - Max Lucado

Testemunhas oculares da sua Majestade

O cristianismo, em sua forma mais pura, não é nada mais do que ver Jesus.

O exercício cristão, em sua forma mais pura, não é nada mais do que imitar Aquele que vemos.

Ver Sua Majestade e imitá-lo, essa é a essência do cristianismo.

Por cinquenta e um anos Bob Edens foi cego. Ele não conseguia enxergar nada. Seu mundo era uma sala escura de sons e cheiros. Ele tateou o seu caminho por cinco décadas de escuridão.

E depois, ele conseguiu enxergar.

Um cirurgião habilidoso realizou uma operação complicada e, pela primeira vez, Bob Edens pôde enxergar. Ele achou impressionante. “Eu nunca sonharia que o amarelo fosse tão... amarelo”, ele exclamou. “Eu não tenho palavras. Estou maravilhado com o amarelo. Mas o vermelho é a minha cor favorita. Simplesmente não consigo acreditar no vermelho.

“Posso ver o formato da lua – e o que eu mais gosto é ver um avião a jato atravessando o céu e deixando um rastro de vapor. E claro, o nascer do sol e o pôr do sol. E à noite eu olho para as estrelas no céu e para a luz piscando. Você nunca conseguiria saber o quão tudo é admirável”.

Ele está certo. Nós que vivemos uma vida com visão não conseguiríamos saber o quão admirável deve ser receber a visão.

Mas Bob Edens não é o único que passou uma vida perto de alguma coisa sem enxergá-la. São poucas as pessoas que não sofrem de alguma forma de cegueira. Surpreendente, não é? Podemos viver perto de alguma coisa por uma vida, mas a menos que tomemos tempo para focarmos nela, ela não se torna parte de nossas vidas. A menos que nós, de alguma maneira, tenhamos nossa cegueira retirada, nosso mundo é apenas uma caverna escura.

Pense nisso. Só porque alguém testemunhou mil arco-íris não significa que ele viu a grandeza de um. Alguém pode viver perto de um jardim e falhar em focar no esplendor da flor. Um homem pode passar uma vida com uma mulher e nunca parar para examinar a sua alma.

E uma pessoa pode ser extremamente boa e ainda assim nunca ver o Autor da vida.

Sermos honestos, éticos ou até mesmo religiosos não necessariamente significa que nós o veremos. Não. Nós podemos ver o que os outros veem nele. Ou podemos ouvir o que alguém diz que ele disse. Mas até que nós o vejamos por nós mesmos, até que recebamos a nossa própria visão, podemos achar que o vimos, tendo na realidade visto apenas uma forma vaga na penumbra cinzenta.

Você o viu?

Você já teve um vislumbre da Sua Majestade? Uma palavra é colocada em uma fenda receptiva do seu coração que faz com que você, brevemente, veja o seu rosto. Você ouve um versículo lido em um tom que você nunca tenha ouvido ou explicado de uma maneira que você nunca tenha pensado e mais uma peça do quebra-cabeça é encaixada. Alguém toca seu espírito dolorido como apenas alguém enviado por ele poderia fazer e aí está ele.

Jesus.

O homem. O Galileu bronzeado que falava com uma autoridade trovejante e amava com uma humildade infantil.

O Deus. Aquele que afirmou ser mais velho que o tempo e maior que a morte.

Foi-se a pompa da religião; dissipou-se a névoa da teologia. Momentaneamente é levantada a cortina opaca da controvérsia e da opinião. Os nossos erros cegos e egoísmos são apagados. E lá está ele.

Jesus.

Você o viu?

Os primeiros que o viram nunca mais foram os mesmos.

“Senhor meu e Deus meu!”, bradou Tomé.

“Eu vi o Senhor”, exclamou Maria Madalena.

“Vimos a sua glória!”, declarou João.

“Não estava queimando o nosso coração enquanto ele nos falava?” alegraram-se os dois discípulos a caminho de Emaús.

Mas Pedro expôs melhor. “Nós fomos testemunhas oculares da sua majestade”.

Sua Majestade. O imperador de Judá. A sublime águia da eternidade. O nobre almirante do Reino. Todo o esplendor do céu revelado em um corpo humano. Por um período tão curto, as portas da sala do trono foram abertas e Deus se aproximou. Sua Majestade foi vista. O céu tocou a terra e, como resultado, a terra pode agora conhecer o céu. Surpreendentemente um corpo humano abrigou a divindade. O santo e o terreno entrelaçados.

Já faz algum tempo que você o viu? Se as suas orações parecem gastas, provavelmente faz. Se a sua fé parecer estar vacilante, talvez sua visão dele tenha obscurecido. Se você não consegue achar força para encarar os seus problemas, talvez seja hora de encará-lo.

Um aviso. Alguma coisa acontece a uma pessoa que tenha testemunhado Sua Majestade. Ela se torna viciada. Um vislumbre do Rei e você é consumido por um desejo de ver mais dele e falar mais sobre ele. Esquentar o banco da igreja não é mais uma opção. A religião de má qualidade não será mais suficiente. A procura de sentido é desnecessária. Uma vez que você tenha visto a sua face você sempre almejará vê-la novamente.