sexta-feira, 21 de maio de 2010

Sobre renúncias

Renúncia, taí outra palavra que vem perdendo seu significado ao longo do tempo.

Sempre que ouvia essa palavra minha mente automaticamente a conceituava como algo nobre, ou seja, alguém que possuía um imenso direito abriu mão dele e do benefício dele em favor de outra pessoa. Mais ou menos como uma mãe que renuncia seu tempo e suas noites em favor do filho, ou então o avô que renuncia o dinheiro de sua aposentadoria para que o neto possa estudar em um colégio melhor. Invariavelmente a renúncia (na minha cabeça é claro) significa deixar, abandonar ou desistr de algo bom e não substituí-lo por nada além da vontade de fazer o que é certo, o que é bom.

Pois bem, os anos vão passando, o amor vai esfriando e a renúncia começa a ter outro sentido. Renuncio uma coisa que a meu ver não é tão boa assim em favor de outra que considero melhor. Deixo, abandono e desisto daquilo que não tem mais valor para mim e vou em busca de algo melhor.

A verdadeira renúncia foi exemplificada por alguém que abandonou toda a sua glória para que os nós-cegos (como eu) pudessem achar uma saída. De quebra substituiu o seu manto pela pele nua, sua coroa por espinhos, louvores por cuspos na cara e seu trono por uma cruz.

Realmente não se fazem mais renúncias como antigamente.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Grama do vizinho - Eles são feitos de carne

– Eles são feitos de carne.
– Carne?
– Carne. Eles são feitos de carne.
– Carne?
– Já não há mais qualquer dúvida. Capturamos diversos deles de diferentes partes do planeta, trouxemos a bordo das nossas naves de reconhecimento e submetemos a todo tipo de exame. Eles são completamente carne.
– Isso é impossível. E que dizer dos sinais de rádio? As mensagens para as estrelas?
– Eles usam as ondas de rádio para conversar entre si, mas os sinais mesmo não vêm deles. Os sinais vêm de máquinas.
– Então quem fez as máquinas? São esses que queremos contatar.
– Eles fizeram as máquinas. É o que estou tentando te dizer. A carne fez as máquinas.
– Isso é ridículo. Como é que carne poderia fazer uma máquina? Você está me pedindo para acreditar em carne autoconsciente.
– Não estou pedindo, estou dizendo. Essas criaturas são a única raça autoconsciente daquele setor e são feitos de carne.
– Talvez eles sejam como os orfolei. Você sabe, inteligência baseada em carbono que passa por um estágio de carne.
– Não. Eles nascem carne e morrem carne. Estudamos as criaturas por vários de seus ciclos de longevidade, que são bem curtos. Você faz ideia de qual é a vida útil de carne?
– Poupe-me. Tudo bem, quem sabem eles sejam só em parte carne. Você sabe, como os weddilei. Uma cabeça de carne com um cérebro de electroplasma dentro.
– Não. Pensamos nisso, já que eles têm cabeças de carne como os weddilei. Mas eu disse, examinamos os caras. São carne do começo ao fim.
– Sem cérebro?
– Ah, têm cérebro, sim senhor. A questão é que o cérebro é feito de carne! É o que estou tentando te dizer.
– Mas… o que é que faz a parte de pensar?
– Você não está mesmo querendo entender, não é? Está se recusando a assimilar o que estou dizendo. O cérebro é que faz a parte de pensar. A carne.
– Carne pensante! Você está me pedindo para acreditar em carne pensante!
– Exato, carne pensante! Carne consciente! Carne amorosa. Carne sonhadora. A carne é a questão toda! Você está começando a sacar ou devo começar de novo?
– Meudeus. Você está falando sério então. Eles são feitos de carne.
– Valeu. Finalmente. Sim. Eles são de fato feitos de carne. E vêm tentando entrar em contato conosco ao longo de quase cem dos anos deles.
– Meudeus. Então o que essa carne tem em mente?
– Primeiro quer entrar em contato conosco. Imagino que depois queira explorar o universo, contatar outras entidades inteligentes, trocar ideias e informação. O usual.
– Estão esperando que a gente entre em contato com carne.
– É essa a ideia. É a mensagem que eles vêm transmitindo pelo rádio: “Alô. Tem alguém aí. Alguém em casa.” Esse tipo de coisa.
– Eles falam, então. Usam palavras, ideias, conceitos?
– Ah, sem dúvida. Só que eles usam carne para fazer isso.
– Você acaba de me dizer que eles usam o rádio.
– Usam, mas o que você acha que está no rádio? Sons de carne. Sabe quando você sacode ou estala um pedaço de carne e ele faz um barulho? Eles conversam estalando a sua carne uns para os outos. Até conseguem cantar, esguichando ar pela carne deles.
– Meudeus. Carne cantante. Isso já é demais. O que você aconselha?
– Oficialmente ou extraoficialmente?
– Os dois.
– Oficialmente somos obrigados a entrar em contato, dar boas-vindas e protocolar toda e qualquer raça consciente ou multiseres deste quadrante do universo, sem preconceito, medo ou preferência. Extraoficialmente, aconselho que apaguem-se os registros e que esqueçamos a coisa toda.
– Eu estava esperando que você dissesse isso.
– Parece cruel, mas há um limite. Queremos de fato fazer contato com carne?
– Concordo cem por cento. O que haveria para dizer? “Alô, carne. Tudo bem?” Mas será que isso vai dar certo? De quantos planetas estamos falando?
– Só um. Eles podem viajar a outros planetas em contêineres especiais de carne, mas não podem viver neles. E, sendo carne, só podem viajar no espaço C, o que os limita à velocidade da luz e torna a possibilidade de chegarem a fazer contato bem pequena. Quase nula, na verdade.
– Então só temos que fingir que no universo não tem ninguém em casa.
– Exato.
– Cruel. Mas você mesmo disse, quem quer conhecer carne? E aqueles que estiveram a bordo de nossas naves, aqueles que vocês examinaram? Tem certeza de que eles não vão lembrar?
– Serão considerados malucos se lembrarem. Entramos no cérebro deles e alisamos bem a carne, de modo que somos apenas um sonho para eles.
– Um sonho para a carne! É estranhamente apropriado isso, que devamos permanecer sonho de carne.
– E marcamos o setor inteiro como desocupado.
– Muito bem. Está concordado, oficialmente e extraoficialmente. Caso encerrado. Algum outro? Alguém interessante naquele lado da galáxia?
– Sim, uma tímida mas doce colmeia inteligente de aglomerados de hidrogênio numa estrela classe nove na região G445. Chegou a manter contato há duas rotações galáticas, quer reatar a amizade.
– Esse pessoal sempre acaba voltando.
– E porque não? Imagine quão insuportável, quão inconcebivelmente frio seria o universo para quem estivesse sozinho nele.

They’re made out of meat, um conto de Terry Bisson

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Aos cansados - parte 2

Na verdade existem dois tipos de cansaço. O primeiro deles é fruto do desgaste físico e mental das nossas várias atividades e esforços. O segundo (e mais complexo) é fruto da expectativa dos problemas e esforços futuros, mais conhecido como ansiedade. E quando me dei conta disso descobri porque ultimamente não estou conseguindo usufruir do descanso.

As oportunidades criadas pelo primeiro tipo de cansaço são facilmente assimiladas por todos nós e nos fazem sentir orgulhosos. Ao contrário disso, a ansiedade não traz consigo nenhuma oportunidade positiva. Ela apenas nos faz cansar previamente, sem contudo nos mostrar qual o motivo. E quando não há motivo, não há nada do que se orgulhar.

Interessante não acha? o bom cansaço se produz do passado, já o mau cansaço se produz do futuro. Sendo o presente o elo de ligação entre passado e futuro, o fruto dos cansaços, seja o bom ou o mau estão sobre os nossos ombros AGORA.

Provérbios (12:25) diz claramente que a ansiedade gera apenas abatimento e quando somamos cansaço mais abatimento o produto dessa adição não é nada leve para carregar sobre os ombros.

Além disso, existe uma contrapartida para o bom cansaço passado. Você consegue enxergar o quando ele vale. Seja o salário no final do mês, a boa nota na prova, a formatura, o carro novo, o bom relacionamento familiar, a progressão profissional. No caso do cansaço futuro não conseguimos nunca mensurar se ele valerá a pena ou não. Pior, quase sempre chegamos a conclusão de que ele não valeu nada.

Zeca Pagodinho talvez tenha achado a fórmula para reduzir pela metade o cansaço... deixe a vida te levar!!

Como desconfio não ser essa a melhor alternativa, sigo cansado em busca de outras mais confiáveis.

E pra variar um cochilo no sofá com direito a acordar com a cara do meu amigo da foto.

Abraço e um bom cochilo aos cansados.