sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Abortos

Já faz um bom tempo que ouço, leio e vejo as discussões acaloradas sobre este tema. Não são poucos os comentários, tratados e teses a respeito dele e em todas elas o ponto central da discussão gira em torno do momento da criação da vida. Em resumo, interromper a vida de alguém é assassinato, mas uma vez que ela ainda não existe, ou em última instância, ainda não pode ser considerada como tal, não há o quê se punir. Porém, quando traço um paralelo da vida física com a vida espiritual tenho visto milhares de abortos acontecendo debaixo de nossos olhos enquanto fazemos muito pouco a respeito.

Se a tese mais comumente aceita entre os cristãos é que a vida física se inicia quando o espermatozóide penetra o óvulo. O início da vida espiritual acontece quando aceitamos a Jesus Cristo como nosso único e suficiente Salvador. Assim sendo, entendo – por analogia – que a interrupção forçada da vida espiritual após esse momento também é aborto.

No aborto físico há um grande número de técnicas para alcançar o resultado esperado e seja por sucção, curetagem, drogas abortivas ou qualquer outro método o objetivo de não perpetuar uma vida é o alvo a ser alcançado. No lado espiritual, as técnicas são mais sutis e encobertas e o objetivo nem sempre é claro, às vezes, nem mesmo para quem o pratica. O problema são as diversas vidas interrompidas como resultado dessa prática mortal.

A primeira técnica – nos dias atuais uma das mais utilizadas – usa Jesus como ferramenta. O processo se inicia com a propagação de um Jesus fantástico, um espírito iluminado, um líder sobrenatural, um formador de opinião, um pensador invejável, um empreendedor, um executivo e outros tantos adjetivos que podem ser vistos facilmente estampados nas dezenas de livros escritos a respeito, basta você entrar em qualquer livraria para comprovar. Como se trata de uma técnica sutil, suas premissas básicas são: esconder dos nascidos de novo que Jesus, antes de qualquer título terreno, é o Filho de Deus, que se faz carne, habitou entre nós e que um dia voltará. Esconder que sua missão era única, morrer em favor dos pecadores para que eles, através da Graça, alcancem a salvação. Nessa técnica a morte é lenta e sofrida. A vida recém gerada não percebe o que estão fazendo com ela uma vez que essa técnica evolui a cada dia e as sutilezas das pregações e mensagens a respeito do Jesus superstar se parecem cada vez mais inofensivas. A morte definitiva chega no discipulado quando a vida que ainda não se reconheceu como pecador percebe que só encontrará sua vida quando a perder, quando tiver de tomar sua cruz e seguí-lo, que só é forte quando é fraco ou quando tiver que dar a outra face ao invés de revidar. Sem força para seguir vivendo ela definha aos poucos quando começa a entender que Jesus é e exige muito mais do que líderes humanos podem ser ou fazer.

A segunda técnica – a mais cruel de todas – usa o reino como ferramenta. Tudo começa com as promessas irresistíveis de um reino onde tudo é bom e maravilhoso, onde não há doenças, desemprego, tristeza e nenhuma sorte de problemas. Afinal de contas, segundo os especialistas nessa técnica quem tem problemas não pertence a este reino. Se vendem as benesses de uma vida sem percalços onde o resultado é um verdadeiro mar de rosas, um paraíso sem fim aqui e agora. Nesse caso a morte nem sempre chega logo, parece que há uma sobrevida considerável e que as coisas funcionam bem durante algum tempo. O problema é que quando ela chega é quase sempre definitiva, com poucas possibilidades de recuperação ou ressurreição. Quando a nova vida começa a entender que a chuva e o sol nascem para todos – justos e ímpios – e que às vezes os maus prosperam mais do que ele o processo se inicia. Aos poucos a dúvida invade o organismo de uma maneira letal e o que foi pregado anteriormente parece não fazer mais sentido. O aborto termina após a primeira dificuldade ou o primeiro grande problema. Milhares de abortos como este estão acontecendo nesse momento, seja numa cidade alagada, num hospital super lotado ou na portaria de uma empresa que acabou de demitir parte dos seus funcionários.

O que dizer então de drogas abortivas. Assim como na vida cotidiana elas também são facilmente encontradas no mundo espiritual. A mais conhecida e comercializada de todas se chama orgulho e também pode ser encontrada na forma genérica, vaidade. Algumas novas vidas são apresentadas a elas muito cedo. Elas não têm gosto amargo, muito pelo contrário, são doces e no início produzem uma sensação de prazer incrível. Tudo acontece silenciosamente e de maneira contínua. Textos fora de contexto, promessas, palavras de ordem e determinações matam a humildade e o desapego tantas vezes pregados e ensinados por Cristo. A droga se parece com um “boa noite Cinderela”, o conto de fadas do sucesso cristão vai matando aos poucos até que se entre num coma espiritual seguido da falência múltipla de órgãos espirituais: consciência, coração e alma.

Mães inescrupulosas e sem alma geram filhos para matá-los pouco tempo depois. Não são poucas assim. Concepções (ou conversões) feitas sem amor e sem compromisso com a propagação do verdadeiro Cristo e do verdadeiro reino também acontecem aos montes. Quantas vidas teremos que perder até nos darmos conta dessa linha de produção de abortos espirituais?

Não se pode perpetuar uma nova vida espiritual sem que haja arrependimento. Para que vivam bem e com saúde novas vidas devem ser corretamente geradas. O momento da concepção é o mais importante. E nele deve primordialmente existir amor. Amor divino, amor supremo, amor salvífico, amor de sacrifício, amor de compaixão. Uma nova vida só tem a chance de sobreviver quando entende que é pecador e que a graça de Cristo é a única forma de continuar respirando.


Editorial escrito para a Revista Ideal - Edição 3
http://www.revistaideal.com.br/

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